06/06/2013

ABRACE O RIVAL, POIS SOMOS NADA SEM ELE

NOS TIRARAM QUASE TUDO. AINDA BEM QUE SOBROU O RIVAL.
VOU MOSTRAR AQUI O BELO TEXTO DO DANIEL CASSOL, LIDO NO BLOG DO TARNOWSKY, FALANDO DO FIM DE TUDO AQUILO QUE SEMPRE DEU VIDA A NOSSA PAIXÃO PELO FUTEBOL.
E A NOSSA RESSACADA SEM GRAÇA É O EXEMPLO MAIS CONCRETO DISTO.
QUE PENA QUE A NOSSA DIRETORIA TAMBEM QUIS ASSIM.
QUE PENA QUE A NOSSA DIRETORIA NÃO QUIS SEGUIR NA CONTRA-MÃO DA HISTORIA E MANTER VIVAS TODAS AS NOSSAS TRADIÇÕES.

"Porque não há nada mais irritante na vida de um torcedor que a flauta do rival. Implacável, e também irritante, sem graça, injusta, a flauta vem após cada derrota, cada eliminação, cada fiasco. Não importa que os jogadores não sejam identificados com o nosso time, que a camisa e o distintivo tenham mudado, que o clube tenha virado uma empresa, o estádio um teatro e o torcedor um cliente. O mesmo rival de sempre estará lá para mostrar por que nos importamos com esse time."


SEM MAIS DELONGAS VAMOS AO TEXTO COMPLETO:

Do meu avô diziam que falava pouco, mas prestava muita atenção. Já meu pai conta que, quando criança, ouviu da professora que a Terra era formada por três quartos de água e se pôs a pensar: onde havia tanta água, se ele conhecia só três ou quatro açudes no interior de Formigueiro?
Também falo pouco, presto muita atenção e penso bastante bobagem. Quando Collor sofreuimpeachment, durante algumas horas seu cargo ficou vago. Fui pra janela de casa e gritei pro bairro ouvir: eu me declaro presidente da República. Hoje, passa um ônibus que não é o meu e eu penso em entrar e pedir pro motorista mudar o trajeto pra me deixar perto de casa. Coisas assim. Penso besteira sobre as convenções da sociedade.
No futebol, por exemplo, fico imaginando o que aconteceria se os jogadores ignorassem o gol mal anulado pelo árbitro, saíssem comemorando e colocassem a bola no centro para recomeçar a partida. O respeito às marcações do árbitro é, afinal, uma mera convenção.
Penso bobagem, já disse. Daí que nos últimos tempos eu venho pensando nessas convenções que envolvem o futebol. E me pergunto o que nos leva a torcer por um determinado time, digo, não o que nos levou a torcer, mas o que nos leva a continuar torcendo. O que nos faz acreditar que aquele time que está em campo é de fato nosso time do coração?
Em campo, um time de futebol é representado pelos jogadores contratados pelo clube. Mas estes jogadores são profissionais, como eles mesmos insistem em dizer. Hoje estão jogando em nosso time, mas amanhã podem estar em qualquer outro, até mesmo no rival. Salvo raras exceções, os jogadores não são a mesma coisa que o clube.
As camisetas diferentes servem para nos mostrar que um time está jogando contra o outro. Mas elas também mudam. Mudam as cores, o desenho, até o distintivo muda em alguns casos mais graves. Outras estão tapadas de patrocínios. Então uma camisa não define mais que aquele é um determinado time de futebol. O nosso, no caso.
Um time de futebol é identificado, sobretudo, por sua história. E ela se materializa no concreto do estádio construído pelo esforço de dirigentes abnegados e torcedores ao longo da história. Quando estamos na arquibancada crivada de títulos e tragédias, sabemos exatamente para qual time estamos torcendo.
Mas são tempos de arena. Os estádios que não estão desaparecendo estão sendo completamente descaracterizados. Não se reconhece mais nenhum: todos se parecem entre si e todos se parecem com grandes hidrelétricas com poltronas. Não há nada nos novos ou reformados estádios que nos faça identificar nosso time do coração.
Nesta altura do texto o leitor já deve estar irritado com estes devaneios infantis. Um time é um time, e a alma dele está em sua torcida, dirá o irritado leitor.
Mas, olha o mas aí de novo, o mesmo processo que descaracteriza os estádios expulsa os torcedores. O novo futebol exige consumidores que possam curtir a experiência de jogo. O torcedor que sofre, grita e se estraçalha pelo time não é mais bem vindo. Sem nossos companheiros de infortúnio, por que continuamos a torcer por aquele time se não o reconhecemos mais?
Tenho este costumbre malo de me quedar pensando como os jacarés enquanto acompanho os jogos do meu time. Por que raios vibro quando ele faz um gol, por que me irrito quando sofre, por que diabos sofro por um time que cada vez mais é difícil reconhecer como o meu time do coração?
Porque, respondo, não há nada mais irritante na vida de um torcedor que a flauta do rival. Implacável, e também irritante, sem graça, injusta, a flauta vem após cada derrota, cada eliminação, cada fiasco. Não importa que os jogadores não sejam identificados com o nosso time, que a camisa e o distintivo tenham mudado, que o clube tenha virado uma empresa, o estádio um teatro e o torcedor um cliente. O mesmo rival de sempre estará lá para mostrar por que nos importamos com esse time.
Por isso, não se deixem enganar por estes que se deixam levar pela violência e pela demência com ares de rivalidade. O rival é uma das últimas identidades que temos em relação ao nosso próprio time. A flauta é nossa última trincheira.
Venceremos,
Daniel Cassol
* Daniel Cassol é um dos colaboradores do site Impedimento.org

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